É importante identificar o tirano que vive dentro de você e que impede a sua paz interna
POR LUCIANAKOTAKA*
Aposto que essa pergunta deve ter causado certo estranhamento, até porque parece óbvio que somos os nossos melhores amigos, mas garanto que nem sempre essa é uma realidade. Desde muito cedo somos cobrados e ensinados a agir de acordo com o sistema familiar e escolar, vamos sendo moldados para que possamos ser aceitos e integrados em uma determinada família e local, seguindo regras e crenças que vão sendo incutidas em nossa cabeça.
São anos de exposição dentro de um determinado contexto e passamos a agir de acordo com o que nos foi ensinado. Certo ou errado, não é essa a questão a ser avaliada neste momento, e sim como vamos aprendendo a nos enxergar. Vamos vestindo as impressões que outras pessoas têm a respeito de quem somos, se nos dizem que somos preguiçosos continuamente, acabamos acreditando e passamos a nos comportar desta forma. Se valorizam os nossos esforços e nos incentivam, vamos desenvolvendo um comportamento de persistência e dedicação a tudo que fazemos.
Antes que me questionem, é claro que tem exceções e que muitas pessoas conseguem transformar as críticas a elas direcionadas em molas propulsoras para provar o contrário, mas logo chego a esse ponto.
Passamos a nos julgar de acordo com a lente do outro, e logo se nos chamaram de preguiçosos, passamos a ter preguiça de malhar, de estudar, de chegar até a conclusão de um projeto, de investir em um relacionamento para que este dê certo, etc. A preguiça se torna um dos empecilhos da nossa vida, e aí que entra uma questão bem delicada, que é o nosso carrasco interno.
Como se não bastasse o julgamento do outro passamos a nos julgar em tudo o que fazemos, como se ficássemos o tempo todo à espreita esperando um movimento em falso para logo nos autoacusar. Mas, não se engane, o foco aqui vai muito além dos aspectos relacionados a comportamentos considerados negativos, pois o contrário acontece muito e é tão prejudicial e nocivo quanto.
Nesse momento de pandemia a maior parte do público que chegou até mim foi de pessoas com características relacionadas ao perfeccionismo, necessidade de controle e também com a ideia de que precisam dar conta de tudo e de todos à sua volta.
É claro que esse aspecto sempre existiu e de vez em quando chega para atendimento, mas o fato é que vivemos um momento em que nada está sob nosso controle, aliás, nunca tivemos controle, mas agora tudo está bem mais escancarado, não há como fugir da verdade.
Tudo isso para tentar mostrar que algumas pessoas desenvolvem formas mais rígidas de pensar, de agir e isso impacta diretamente nos aspectos emocionais. Estas pessoas que aprenderam desde cedo em seu meio familiar que se forem bons filhos e se dedicarem aos estudos evitarão brigas e até punições severas, poderão desenvolver um comportamento na vida fazendo um grande esforço para se tornarem os melhores. Não admitem errar, se cobram o tempo todo, querem ser perfeitos apesar de saberem que isso é impossível.
E é esse aspecto que causa dor, tira a paz interna e o indivíduo se torna uma máquina de pensamentos de cobranças e de tirania. Não admite falhar, precisa estar o tempo todo fazendo algo, se superando e se esquece que pode relaxar, que errar faz parte de nossa experiência e está tudo bem.
Ser amigo de si mesmo pode ser um desafio imenso para muitas pessoas que não conseguem entender que são humanas, e que dentro dessa realidade temos muitas questões a serem modeladas, de forma a sermos mais empáticos com as nossas dificuldades e limitações.
Terá momentos em que será necessário dar uma basta na cobrança excessiva, onde precisará desenvolver a autocompaixão, pois se maltratam demasiadamente por cada pensamento ou comportamento apresentado. Não admitem errar, tudo o que pensam em fazer precisa passar por um crivo muito rígido e, mesmo assim, ainda estão ali com os seus tiranos internos prontos para se chicotearem.
Não dá para viver assim, o gasto de energia emocional é alto, logo pode manifestar doenças físicas e emocionais que resultará em mais prejuízos. É imprescindível que busque mudar essa forma de se olhar, é preciso flexibilizar e até relaxar, para que desta forma possa criar uma realidade de vida mais harmônica e feliz.
O caminho da autoaceitação é o mais interessante, assim você faz as pazes consigo mesmo e a partir desse ponto você estará mais preparado para focar em cada aspecto de si mesmo que interfere negativamente na sua vida. Vai desconstruindo conceitos que aceitou como reais e ampliando o olhar entendendo que dá para ser uma pessoa bacana e ao mesmo tempo, dar conta de suas responsabilidades de acordo com o que acredita ser o melhor para você.
*LUCIANA KOTAKA é psicóloga, colunista, blogueira, escritora e apaixonada pelo comportamento humano.