Revisão recém-publicada afirma que há evidências crescentes de que dormir muito pouco leva a danos cerebrais duradouros e ao aumento do risco de doenças neurodegenerativas.
Da Redação | The New York Times
Os cobradores das dívidas do sono estão chegando. Eles querem que você saiba que não existe perdão, apenas uma expectativa variável de como e quando você vai retribuir. Você pensa neles enquanto se deita na cama à noite. Quanto vão pedir? Você adormece e acorda suando frio uma hora depois. Você adormece de novo e depois acorda, entrando e saindo da consciência até de manhã.
Como quase todos já descobriram, algumas noites de sono ruim são frequentemente seguidas de sonolência, dificuldade de concentração, irritabilidade, alterações de humor e sonolência. Durante anos, pensou-se que esses efeitos, acompanhados por deficiências cognitivas, como desempenho ruim em testes de memória de curto prazo, poderiam ser atribuídos principalmente a uma substância química chamada adenosina, um neurotransmissor que inibe os impulsos elétricos no cérebro. Picos de adenosina foram consistentemente observados em ratos e humanos privados de sono.
Os níveis de adenosina podem ser corrigidos rapidamente após algumas noites de bom sono, no entanto. Isso deu origem a um consenso científico de que a dívida do sono poderia ser perdoada com algumas sonecas de qualidade – como refletido em declarações casuais como “vou recuperar o sono no fim de semana” ou “vou estar mais acordado amanhã”.
No entanto, um estudo que revisou uma série de trabalhos, publicado recentemente na revista Trends in Neurosciences, afirma que o conceito popular de sono como algo que pode ser economizado e pago é bobagem. A revisão, que avaliou as últimas duas décadas de pesquisa sobre os efeitos neurais de longo prazo da privação do sono em animais e humanos, aponta para evidências crescentes de que dormir muito pouco provavelmente leva a danos cerebrais duradouros e ao aumento do risco de doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer.
— Isso é muito, muito importante para preparar o terreno para o que precisa ser feito na saúde do sono e na ciência do sono — diz Mary Ellen Wells, cientista do sono da Universidade da Carolina do Norte, que não contribuiu para a revisão.
Há muito se sabe que períodos intensos de privação de sono são ruins para a saúde. A insônia forçada foi usada durante séculos como punição e tortura. No primeiro estudo experimental sobre a privação do sono, publicado em 1894 pela cientista russa Maria Manasseina, filhotes de cachorro eram obrigados a ficar acordados por meio de estímulos constantes. O resultado: eles morreram em cinco dias. Examinando seus corpos depois, Manasseina observou que “o cérebro era o local de predileção das mudanças mais graves e irreparáveis”. Os vasos sanguíneos tinham hemorragia e as membranas gordurosas degeneraram. “A total ausência de sono é mais fatal para os animais do que a total ausência de comida”, concluiu Manasseina.
Mas há muitas maneiras de não dormir o suficiente. Você pode ficar totalmente sem dormir por um longo período de tempo – o que os cientistas chamam de privação aguda de sono. Em 1963, por exemplo, um estudante do ensino médio conseguiu ficar acordado por 264 horas. Você pode também constantemente perder o sono – a chamada privação crônica de sono. Você pode ficar deitado acordado, com a mente em movimento, ou relaxar, assistindo televisão a noite toda. Mas estudos como o de Manasseina eram vistos como extremos a ponto de serem irrelevantes para os humanos.
As pesquisas continuaram, mas meio que deixadas de lado, diz Fabian Fernandez, neurocientista da Universidade do Arizona que também não contribuiu para a nova revisão. “Quando você vai manter um animal ou humano acordado até que eles morram?”, explica.
Porém, nas últimas duas décadas, os estudos com animais sobre a privação do sono tornaram-se mais sutis, precisos e, possivelmente, aplicáveis a humanos, de acordo com o médico Sigrid Veasey, neurocientista da Universidade da Pensilvânia, e Zachary Zamore, pesquisador no laboratório de Veasey. Ambos são os autores responsáveis pela nova revisão.
Depois de pesquisar estudos anteriores de camundongos privados de sono, muitos dos quais o próprio Veasey conduziu, os pesquisadores descobriram que, quando os animais eram mantidos acordados por apenas algumas horas a mais do que o normal a cada dia, duas partes principais do cérebro eram notavelmente afetadas: o locus coeruleus, que administra os sentimentos de alerta e excitação, e o hipocampo, que desempenha um papel importante na formação da memória e no aprendizado.
Essas regiões, que, em humanos, são centrais para sustentar a experiência consciente, desaceleraram a produção de antioxidantes dos animais, que protegem os neurônios de moléculas instáveis que são constantemente produzidas, como gases de escape, por células em funcionamento. Quando os níveis de antioxidantes são baixos, essas moléculas podem se acumular e atacar o cérebro por dentro, quebrando proteínas, gorduras e DNA.
— A vigília no cérebro, mesmo em circunstâncias normais, incorre em penalidades. Mas quando você fica acordado por muito tempo, o sistema fica sobrecarregado. Em algum momento, você não pode mais perder seu tempo com algo impossível. Se você está pedindo que suas células permaneçam ativas por 30% mais tempo a cada dia, as células morrem — diz Fernandez.
No cérebro de camundongos, a privação do sono levou à morte celular após alguns dias de restrição do sono – um limiar muito mais baixo para danos cerebrais do que se pensava anteriormente. Também causou inflamação no córtex pré-frontal e aumentou os níveis de proteínas tau e amilóides, que têm sido associadas a doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson, no locus coeruleus e no hipocampo.
Após um ano inteiro de sono regular, os camundongos que anteriormente haviam sido privados de sono ainda sofriam de danos neurais e inflamação cerebral. Para Veasey e Zamore, isso sugeria que os efeitos negativos eram duradouros e talvez permanentes. No entanto, muitos cientistas disseram que a nova pesquisa não deve ser motivo de pânico.
— É possível que a privação do sono danifique cérebros de ratos e camundongos, mas isso não significa que você deva se estressar por não dormir o suficiente — afirma Jerome Siegel, cientista do sono da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que não contribuiu para a nova revisão.
Siegel pontuou que a lesão neural ocorre em graus, e que a extensão do efeito da privação do sono no cérebro humano ainda é amplamente desconhecida. Ele também expressou preocupação de que a apreensão indevida com os efeitos a longo prazo da privação do sono possa levar as pessoas a tentarem dormir mais, por vezes desnecessariamente e com medicação.
— A mensagem mais simples é que a privação do sono é ruim, mas isso não significa que qualquer sono seja bom — diz o pesquisador.
Atualmente, não há uma maneira ética de medir o grau e o tipo de dano celular causado pela privação do sono no locus coeruleus e no hipocampo de um ser humano vivo. Em vez disso, estudos longitudinais publicados nos últimos 15 anos se basearam em mudanças comportamentais e dados de sono auto-relatados para vincular o sono ruim crônico a demência, depressão, problemas metabólicos, doenças cardiovasculares, resposta imune insuficiente e médias de notas ainda mais baixas. Esses experimentos podem ser difíceis de confirmar, mas, em conjunto com as descobertas em modelos animais, sugerem que existe de fato algum tipo de relação de longo prazo entre a falta de sono e danos físicos e cognitivos.
— A perda de sono pode ferir o cérebro, e se isso acontece em camundongos, e já foi demonstrado que acontece em outras espécies, então provavelmente acontece em humanos. O que sempre levanta a questão: quanta perda de sono causaria lesões? Mas olhando para toda essa literatura em conjunto, de cerca de uma semana de perda crônica de sono, realmente sugere que o período já machuca o cérebro até certo ponto — diz Veasey.
Se uma ligação puder ser traçada entre ratos e humanos, isso poderia mudar a maneira como pensamos sobre o sono, que normalmente é em termos de sonolência e não de dano neural. Já existe uma lacuna conhecida entre como as pessoas percebem suas próprias capacidades cognitivas após a privação do sono, e como elas realmente se comportam nos testes de memória e tempo de reação. As pessoas podem se sentir bem enquanto seus cérebros estão em turbulência, e podem se sentir exaustas quando seus cérebros estão bem.
— A percepção e a realidade do seu sono podem ser muito, muito diferentes — afirma Wells.
Essa desconexão, por sua vez, “tem na verdade nos dificultado para fazer as perguntas certas”, acrescenta Veasey. Sua esperança é que as pessoas e os cientistas venham a compreender melhor o sono eventualmente. E então, informados, sem dúvida entraremos em dívida de sono de qualquer maneira.