– De muito tempo, o patrimônio ambiental, imaterial e arquitetônico de Irecê vem perdendo suas características e referências. A polêmica demolição do “prédio verde” da Prefeitura reaquece a discussão sobre o assunto –
DA REDAÇÃO I Cultura&Realidade
As obras dos historiadores Jackson Rubem, Kel Dourado e do biógrafo Adélio Dourado, são algumas das poucas obras mais conhecidas que tem em registros, sbre personagens, acontecimentos e de obras estruturantes que marcam parcialmente a evolução do processo histórico de Irecê. Não há memorial de acesso público.
Em quase 100 anos emancipado, Irecê não teve sequer um prefeito ou um vereador que se propuseram a debater este tema, criando instrumentos de proteção do patrimônio histórico, arquitetônico, cultural e ambiental do município, em lei específica. Muito provavelmente, esta lacuna resultante da negligência histórica, (somada a uma boa dose de insensibilidade) tem permitido o definhamento destes patrimônios, dia após dia.
Muitas passagens de águas e áreas que poderiam ter sido mantidas como parques urbanos para garantir melhor fluxo das águas de chuvas e melhor qualidade da saúde ambiental e consequentemente bem-estar social da população, foram soterradas ao longo do tempo para atender aos avanços da expansão imobiliária clandestina e a sua fúria mercantilista, por algum tempo, ou insuficientemente controlados nas gestões de 2009 até a atualidade, alimentando a sanha oportunista do mercado imobiliário.
Quanto ao acervo arquitetônico, estruturas icônicas de real importância para Irecê, foram perdendo sua capacidade de oferta de interesse operacional e entraram em desuso, sendo paulatinamente “modernizadas”. Dentre outras, podemos sentir as mudanças no antigo “Mercado”, onde funciona várias lojas fronteiriças com a Rua Augusto Pereira Nunes, com a Praça da Prefeitura e o Calçadão. Acertadamente, a Prefeitura, por ordem do prefeito Elmo Vaz e por meio da Secretaria da Indústria e Comércio, na época dirigida pela atual secretária da mulher, Meire Joyce (Meirinha) conseguiu salvar parte da estrutura, criando e instalando o Mercado de Artes.
O cineasta Kel Dourado tem registrado em suas contas pessoais nas redes sociais, momentos importantes da memória de Irecê, onde se vê, também, ocorrências de alguns atos de destruição desta memória. O mais recente foi o “prédio verde” da Prefeitura, ao lado da Igrejinha São Domingos.
Mas lá (nas páginas eletrônicas de Kel Dourado) consta, também, a derrubada do prédio onde funcionou a primeira Prefeitura da cidade, destruída por ordem do então prefeito Beto Lelis, quando Joacy Dourado era o seu vice-prefeito. O prédio foi demolido para garantir o “beco” de ligação entre a Praça da Prefeitura e a Avenida Caraíbas, como ação de modernização da mobilidade urbana, exclusivamente de pedestres e fortalecimento de empreendimentos comerciais lá instalados.
A casa onde viveu por muitos anos, a família do Professor Edivaldo Santos Lopes, cuja arquitetura tinha influência do colonialismo europeu e onde funcionou por muitos anos a lendária Rádio AM Difusora de Irecê, foi vendida a empresários do ramo da medicina, por seus familiares, liderados pelo seu filho Eduardo Lopes e da mesma só resta os escombros, ao lado da Praça das Rádios.
A DEMOLIÇÃO MAIS RECENTE
O “prédio verde da Prefeitura” foi vendido há três anos, em processo licitatório publicado no Diário Oficial, após autorização dos vereadores. Conforme esclareceu o prefeito Elmo Vaz, em áudio divulgado nas redes sociais, grupos de WhatsApp e emissoras de rádio, no qual ele justifica o ato e informa sobre a construção do Centro Administrativo da Prefeitura de Irecê, onde pretende reunir todos os órgãos públicos.
“O prédio verde estava obsoleto, não atendia mais as demandas operacionais da gestão pública, que se encontra espalhada em diversos pontos da cidade, em espaços alugados e também não atende nenhum requisito de aspecto arquitetônico que justifique o seu tombamento”, disse o prefeito, convidando qualquer instituição, especialista ou historiador a discorrer o contrário.
“O prédio nem é clássico, nem moderno, nem capaz de oferecer funcionalidade e nenhum órgão público relevante”, disse o prefeito, ao site Cultura&Realidade, por telefone, salientando que o prédio onde já funcionou a Prefeitura e a Câmara de Vereadores e dispõe de traços relevantes, está requalificado pela sua gestão, onde funciona o “Memorial Cidade do São João”. Ele também se referiu ao prédio onde funciona o NTE de Educação, antiga Direc-21, que ele entende que “ali sim deve ser presernvado”.
Ele também se referiu ao Centro Administrativo, como um espaço que vai permitir melhor atendimento à população, com todos os órgãos em um só espaço, que será amplo, bem arborizado, com estacionamentos e mobilidade urbana suficientes.
No local do prédio central, cuja demolição causou tanta polêmica esta semana nas redes sociais, “raiva”, inclusive de quem derrubou outros prédios antes, será edificado “um moderno shopping center” segundo disse o atual proprietário do espaço, o empresário Edigar Martins, desafiando a arquitetura e a engenharia.
CONSTRUINDO A POLITICA DE PROTEÇÃO À MEMÓRIA
O município não dispõe de lei específica sobre tombamentos de interesse público. O mais recente PDI – Plano Diretor de Irecê, requalificado na atual gestão municipal, propõe a criação de instrumentos regulamentadores. No seu capítulo XI, que trata sobre a política municipal de proteção do patrimônio cultural e paisagístico, são definidos no artigo 183 os instrumentos que serão utilizados para fazer cumprir as normas sobre o tema e entre eles, em seu inciso IV, contempla “tombamento”.
Em seguida, no artigo 184, fica evidente a inexistência de uma Lei Municipal que atenda as expectativas da sociedade, quando diz: “os instrumentos previstos pela Política de Proteção do Patrimônio Cultural e Paisagístico SERÃO INSTITUÍDOS POR LEI que disponha sobre a proteção, preservação e promoção do Patrimônio Cultural no Município de Irecê.”
A Lei Federal número 25, que dispõe sobre tombamento, data de novembro de 1937, com atualização centralizadora durante a Ditadura Militar, em 1975 e posteriormente, em 2015, sofreu algumas alterações, mas continua sob a égide de pensamentos de quase um século de existência.
A MISSÃO
Cabe à Câmara de Vereadores, ao Poder Executivo e aos diversos setores sociais e pessoas interessadas no tema, promover os estudos e debates necessários para a criação e implantação da Política Municipal de Tombamento do Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Cultural e Ambiental de modo a não ficarem submetidos a definições de momento, ao bel prazer de governos. É preciso ter uma política de município.