Segundo promotores, religioso comandava grupo que usava quantias milionárias da associação para comprar bens, como casa na praia e fazenda. Defesa do padre diz que não ocorreu qualquer ilegalidade.
DA REDAÇÃO | G1
O padre Robson de Oliveira e outras 17 pessoas se tornaram réus nesta quinta-feira (10) após a juíza Placidina Pires aceitar a denúncia feita pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO). Eles são acusados dos crimes de organização criminosa, apropriação indébita, falsidade ideológica e lavagem do dinheiro ofertado por fiéis à Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe).
A defesa do padre Robson de Oliveira disse que “nada mudou” após o início do processo criminal no TJ-GO: “Continuamos tranquilos. Nunca houve ilegalidade”. O advogado Pedro Paulo de Medeiros complementou que o TJ-GO decidiu, “por unanimidade, que não tem crime nenhum”, se referindo à decisão que bloqueava a investigação, a qual está em análise no Superior Tribunal de Justiça.
O G1 tenta contato com a defesa dos demais réus. No dia em que houve a denúncia, na última segunda-feira (7), parte deles se pronunciou (leia as defesas ao final do texto).
Ao receber a denúncia, a magistrada informou que aceitou a acusação do MP-GO, principalmente, “diante da existência de elementos probatórios acerca da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria”.
Na decisão, a magistrada determinou ainda a devolução ao Ministério Público das mídias contendo o material apreendido durante a operação para a continuidade das investigações que o órgão entender necessárias. O promotor de Justiça Sandro Haldfeld explicou que os réus podem ser denunciados por outros crimes.
“Agora, há um primeiro processo com relação a fatos que já estavam maduros para o oferecimento da denúncia. Existem ainda outros casos e crimes em investigação, por isso, serão oferecidas novas denúncias sobre outros fatos”, esclareceu o promotor.
Denúncia
A investigação do Ministério Público, que veio à tona em agosto, chegou a ser bloqueada por uma decisão do TJ-GO durante cerca de 40 dias. Na última sexta-feira (4), o presidente do Tribunal de Justiça de Goiás, Walter Carlos Lemes, destrancou a ação, permitindo que os promotores retomassem a investigação.
Três dias depois, na segunda-feira (7), o MP-GO denunciou o padre e outras 17 pessoas pelos crimes de organização criminosa, apropriação indébita, falsidade ideológica e lavagem do dinheiro.
A denúncia resultou da Operação Vendilhões, que cumpriu mandados em agosto deste ano para apurar o desvio dos donativos. De acordo com as investigações, o dinheiro foi usado para comprar bens como fazendas e casa na praia. Porém, deveria ser destinado para a construção da nova basílica, que ainda está em fase inicial de obras, em Trindade.
Os promotores de Justiça afirmam que o padre comandava a suposta organização criminosa e transferia grandes valores para empresas, com o objetivo de utilizar o dinheiro das entidades como seu, sem prestar contas nem se submeter às regras associativas. Inclusive, consta na denúncia que o sacerdote comprou uma casa para os pais, no valor de R$ 1,1 milhão, com dinheiro dos fiéis.
Segundo o MP, os réus se dividiam em quatro núcleos:
Núcleo operacional
Rouane Caroline Azevedo Martins: apontada como braço direito do padre Robson, ela é suspeita de gerenciar e organizar toda atividade lícita e ilícita;
Anderson Reiner Fernandes: com formação jurídica, é suspeito de auxiliar nas atividades lícitas e ilícitas, organizar as fraudes e figurar em diversas transações ilícitas como interposta pessoa (laranja);
Gustavo Leonardo Naciff do Nascimento: suspeito de realizar as negociações de imóveis rurais;
José Pereira César: contador das Afipes e demais empresas da suposta organização criminosa, é suspeito de atuar para apagar rastros criminosos, criar justificativas contábeis, efetuar registros contábeis indevidos e ajustar e organizar as declarações de impostos de renda dos laranjas;
Paulo César Campos Correa: suspeito de comandar uma rede de empresas de comunicação e de auxiliar nas atividades criminosas.
Núcleo dos laranjas
Segundo o Ministério Público, esse núcleo é composto por pessoas que cediam seus nomes para a realização de negócios, seja na aquisição de bens (casas, lotes, apartamentos, empresas) ou para ocultar movimentações financeiras criminosas, ocasiões em que as contas dos laranjas eram utilizadas como mecanismo de passagem de valores, com a finalidade de obscurecer a verdade.
Celestina Celis Bueno;
Rodrigo Luis Mendoza Martins Araújo;
Ana Verônica Mendoza Martins;
Anderson Matheus Reiner Fernandes.
Núcleo dos beneficiários
De acordo com os promotores, essas pessoas são familiares do padre Robson e receberam e usufruíram da posse de imóveis pagos com o dinheiro desviado.
Elice de Oliveira Pereira (mãe);
José Celso Pereira (pai);
Adrianne de Oliveira Pereira (irmã);
Jeferson de Oliveira Pereira (irmão);
Joselice de Oliveira Pereira Carvalho (irmã).
Núcleo da família Cabriny
O MP alega que três irmãos da família Cabriny auxiliavam padre Robson na prática de diversos crimes. Eles possuem diversas empresas, dentre elas a GC Construtora e Incorporadora, que, segundo os promotores, era utilizada para desviar patrimônio da associação mediante a celebração de negócios jurídicos simulados.
Onivaldo Oliveira Cabriny Costa Júnior;
Gleysson Cabriny de Almeida Costa;
Bráulio Cabriny de Almeida Costa.
Manobra de criação das Afipes
De acordo com os promotores de Justiça, o objetivo inicial do padre era expandir e divulgar o Divino Pai Eterno. Por isso, segundo eles, padre Robson organizou a criação da Afipe em 9 de maio de 2004.
Posteriormente, em 15 de março de 2008 foi constituída a Associação Filhos do Pai Eterno e Perpétuo Socorro. Já em 4 de maio de 2009, criaram a Associação Filhos e Filhas do Pai Eterno, todas utilizando o nome fantasia Afipe.
A constituição da segunda e terceira entidades, segundo o MP, foi uma “manobra oculta e dissimulada”, pois muitos dos associados da instituição e membros das diretorias e dos conselhos não sabiam da existência de pessoas jurídicas distintas.
A denúncia argumenta que toda a confusão patrimonial entre as empresas que foram constituídas em nome de outras pessoas tinha objetivo de fraudar e desviar o patrimônio das Afipes.
Apropriação indevida
O MP diz ainda que padre Robson é “detentor de exímia oratória e grande carisma”. Para os promotores, ele usou destas qualidades para conseguir arrecadar vultosos valores para as Afipes, utilizando como argumento principal a construção de uma nova basílica para a devoção ao Divino Pai Eterno.
A investigação aponta que o sacerdote teria se apropriado indevidamente de mais R$ 7,9 milhões das associações Pai Eterno e Perpétuo Socorro, por exemplo, entre 2015 e 2016, em favor de familiares. Consta na denúncia que o religioso, em diversas oportunidades, deixou evidente que tratava como particular o patrimônio da Afipe e das outras duas associações criadas para receber dinheiro de fiéis.
“De posse de valores bilionários, o denunciado Robson se associou a diversas pessoas para desviar bens das Afipes, lesando a entidade e seus associados. Além dos desvios, a organização criminosa utilizou-se de mecanismos para ocultar e dissimular as origens ilícitas, se utilizando de ‘laranjas’ para o êxito do esquema”, diz trecho do documento.
O outro lado
A defesa de Rouane Carolina disse que nega ela nega “veementemente a prática de qualquer ilícito durante todo o período em que exerceu suas funções como funcionária da Afipe, e tem a certeza de que sua inocência será devidamente provada perante a Justiça”.
A defesa de Anderson Reiner afirmou que ainda não tem conhecimento da denúncia e que qualquer manifestação será feita no processo.
A reportagem pediu nota para Celestina Bueno e José Pereira, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
A defesa da família Cabriny informou que vê com espanto a denúncia, já que existe uma discussão, ainda em andamento, acerca da possibilidade ou não do Ministério Público poder investigar tais fatos. Afirmou ainda que o “Tribunal de Justiça decidiu, à unanimidade, que todas as negociações foram lícitas”. Independente disso, os irmãos estão tranquilos, pois nada devem. De acordo com os advogados, o que traz ainda mais estranheza é que nenhum deles sequer foi chamado pelos promotores para esclarecer qualquer ponto, pois sempre estiveram e estão à disposição.