Certa vez, no meio de uma jornada longa de trabalho, super sedentário, me vi tomado pelo excesso de ansiedade e estresse. Aí um amigo que veio me visitar, devido ao sumiço que a entrega de uma pesquisa provoca, aconselhou-me, ao notar minha inquietação, a consultar um psiquiatra. Há muitos remédios bons na praça que aliviariam seu estado, disse-me ele com aquele seu jeito de gordo experiente. Numa segunda-feira fui consultar um médico especialista na rede privada. De entrada, me carimbaram com as boas vindas da minha primeira vez: 350 reais a consulta. Fiquei no banco de espera imaginando o que teria dentro daquele consultório de recepção tão chique e de acesso tão caro. Teria um sujeito genial lá dentro, preocupado com a minha existência, cheio de prosa, de perguntas simpáticas e de afabilidades sinceras que me fariam sentir que 350 reais eram uma ninharia por um atendimento tão agradável?
Minhas fantasias se dissiparam na penumbra do consultório, onde ao fundo estava, por trás de uma mesa com tampo de vidro, um sujeito mal-encarado, de ar mais sombrio do que a própria sala. Aquilo ali era um médico ou um jagunço? Pensei sem falar nada. Vai que ele tem uma pistola na gaveta e resolve acabar com minha ansiedade para sempre. O sujeito me mirou com um olhar arregalado daqueles de José Mojica e disse com voz mole e cavernosa: sente-se aí, senhor. Qual é a sua queixa? Juro que imaginei, em milésimos de segundos, um delegado me interrogando. Olha, doutor, disse eu, estou no meio de uma jornada de trabalho sedentário e com uma ansiedade incômoda. O médico cofiou a barba grisalha e continuou em silêncio me olhando. Depois baixou a cabeça e rabiscou num bloco uma receita. Destacou o papel e disse-me: veja, esse remédio aí é novo, então você vai à farmácia e faz um cadastro antes para obter um preço melhor, certo? Quando terminar essa dosagem você retorna aqui. Bom dia!
Então foi só isso a consulta de 350 reais? Sai perplexo da caverna luxuosa do sósia de Zé do Caixão, sem saber se ele era um mágico, um vidente ou algo que o valha. Sim, porque um cara que receita um remédio em experimento mediante a oitiva de duas frases do paciente não pode ser levado a sério, a não ser que tenha poderes mediúnicos especiais. Como minha crença nessas coisas é muito rala fiquei me perguntando sobre o que virou o exercício da medicina nos tempos de hoje. No consultório deveria haver pelo menos dois sujeitos: o médico e o paciente. Mas o médico me ignorou como sujeito e se comportou como um não sujeito também. Era mais um autômato seguindo instruções bem remuneradas da indústria farmacêutica, aplicando irresponsavelmente cálculos hipotéticos de um manual DSM qualquer.
Reservadas as exceções, creio que o próprio Hipócrates se espantaria com a falta de humanismo do ambiente médico atual. Não raro encontramos idiotas, arrogantes de jalecos brancos, autointitulados de doutores fazendo negócios com a medicina privada enquanto espezinham cidadãos enfermos nos atendimentos públicos. O médico com cara de José Mojica que me atendeu não sabia nada a meu respeito, porém já tinha uma resposta pronta para as duas frases que enunciei. Na conta dele provavelmente eu era apenas mais um trouxa a ser entorpecido pela bilionária indústria alopática.
Fui à farmácia mais próxima com a receita. O farmacêutico decifrou os rabiscos e disse: remédio novo esse, 180 reais a caixa. Com cadastro fica por 150.00. Então respondi num ímpeto: muito bem, obrigado. Prefiro comprar uma bicicleta.