– Mais uma tragédia socioambiental se inicia na região de Irecê, com o beneplácito do governo liderado por Jerônimo Rodrigues, que fecha os olhos para as ameaças a povos quilombolas e fundo de pasto, ecossistemas e microbacias do Rio São Francisco –
DA REDAÇÃO I Cultura&Realidade
A região de Irecê, que se encontra no mapa de desertificação, conforme estudos da Organização das Nações Unidas, confirmados pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS e os ministérios da agricultura e meio ambiente, condição resultante do desmatamento descontrolado ocorrido no ciclo da era do feijão, entre os anos de 1960 e 1990, vive agora outro dilema com desmatamento, para atender interesses de uma multinacional norueguesa, na produção de energia solar.
O Inema – Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, resolveu atuar como porta voz da empresa, na defesa do negócio, conforme narrativa utilizada em carta resposta ao Codeter – Coordenação de Desenvolvimento Territorial Sustentável, que, juntamente com diversas organizações sociais, questionou a legalidade da Licença emitida pelo órgão, junto ao instituto e ao Ministério Público Estadual.
DIFERENTES MOVIMENTOS SOCIAIS
A ação foi movida depois que as entidades chamaram a atenção do Governador Jerônimo Rodrigues, do Ministério Público Estadual, com sede no Território de Irecê e ao questionar o Inema, extra judicialmente, pedindo a suspensão do processo de licenciamento, por meio de diversas iniciativas das mesmas entidades autoras do Mandado de Segurança, além do Codeter – Coordenação de Desenvolvimento Territorial/Irecê-BA, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia – Fetag/BA e o Polo Sindical, que representa 20 Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Território de Irecê.
O projeto afeta os ecossistemas locais, com desmatamento de superior a 1.500 hectares de caatinga natural, impactando diretamente duas comunidades quilombolas e uma de fundo de pasto, além de diversas fontes de microbacias do rio São Franciso e a fauna silvestre.
“O movimento pela suspensão da licença sugere que o empreendimento seja reformulado, para ser implantado na mesma região, porém em áreas já desmatadas, o que impediria o desmatamento em curso e por outro lado, favoreceria pequenos agricultores familiares, proprietárias das áreas já desmatadas para as atividades agrícolas e que se encontram em desuso no presente momento”, pontua Edimário Machado.
CARTA DO INEMA: MITIGAÇÃO DE DESMATAMENTO POR CAMPANHA DE EDUCAÇÃO SEXUAL E PREVENÇÃO ÀS DROGAS
Após repercussão, o Inema respondeu ao CODETER do Território de Irecê, por meio do ofício 00091018588/2024 – INEMA/DG/DIRRE/COINE, assinado pela sua diretora geral, Maria Amélia de Coni e Moura Mattos Lins, defendendo a emissão da licença.
Ao defender o ato do órgão, em favor dos impactos socioambientais e promoção do empreendimento, a diretora do Inema aponta como benefícios para as regiões afetadas, condicionantes que devem ser firmadas como os municípios, como meio de mitigação, muitas delas, politicas públicas já de obrigação dos entes públicos.
Ela destaca, no âmbito do Plano de Educação Ambiental, como parte das condicionantes, campanha de educação sexual e de prevenção ao uso de drogas. E reitera os temas na mesma resposta, como se condicionantes à altura dos impactos promovidos pelo empreendimento. Leia a íntegra do ofício do órgão que pelo visto, virou balcão de negócios para favorecer investidores com histórico de crimes ambientais. Leia no último parágrafo, histórico de crimes ambientais da empresa.
LEIA NA ÍNTEGRA OFÍCIO DO INEMA
AUDIÊNCIA PÚBLICA
Para ouvir as organizações sociais, técnicos do Inema e a empresa autorizada, o deputado estadual Marcelino Galo (PT) propôs a realização de uma Audiência Pública à Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia, da Assembleia Legislativa da Bahia. Aprovada, a audiência ocorre nesta quarta-feira, 13, com início às 9h, na Câmara de Vereadores de Irecê.
Em convite destinado ao público-alvo, a Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia convida para a Audiência Pública que o evento vai “discutir a defesa das reservas de caatinga nos platôs das serras, com foco em empreendimentos de energia eólica e solar licenciados nos municípios de Uibaí e Ibipeba”.
CRIME CONTRA A HUMANIDADE
Diversas postagens patrocinadas pela UMBU – União Municipal Beneficente de Uibaí, aponta que o desmatamento na serra de Uibaí e Ibipeba, autorizado pelo órgão ambiental da Bahia, para viabilizar a instalação de um parque de energia solar, além da tragedia ambiental sem precedentes que causará, poderá ser caracterizado como crime contra a humanidade.
A Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, estabelece “que os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afeta-los diretamente”.
Considerando que existem duas comunidades quilombolas e uma comunidade de fundo e feixo de pasto na área de influência do empreendimento, essas comunidades deveriam ter sido consultadas antes da concessão da licença para o parque solar, o que não aconteceu. A própria empresa contratada para fazer os estudos ambientais deu essa informação em reunião realizada no dia 16/08/24, em Uibai.
As comunidades afetadas defendem que o parque solar seja instalado nas áreas sem vegetação existentes em abundância no local.
Entidades da sociedade civil ingressaram na justiça solicitando a revogação da licença e uma carta foi entregue pelo Codeter ao Governador do Estado, Jerônimo Rodrigues, solicitando medidas para impedir o desmatamento da caatinga.
O parecer técnico do INEMA destaca que 1.370.000 placas fotovoltaicas serão instaladas em uma área de 1.570 hectares, 83% coberta por floresta de caatinga. arbórea com entre 8 e 10 metros de altura.
TRAGÉDIA AMBIENTAL EM CURSO
Ainda segundo a entidade, o sacrificio de 1.524,47 hectares de floresta de caatinga arbórea é o tamanho da tragédia ambiental nas serras de Uibai e Ibipeba.
A empresa licenciada vem também respondendo às denúncias, patrocinando postagens em diversos meios, tentando negar o que o próprio relatório técnico do Inema pontua e destaca na Portaria da Licença. A Starkraft nega que vai desmatar mais de 1.500 hectares de Caatinga.
Mas a UMBU rebate: “Se alguém está mentindo para confundir a população afetada, esse alguém não é a UMBU. Estão aí as Postarias do INEMA, mostrando claramente que a área é de 1.524,47 hectares. A área de 400 hectares é apenas à primeira fase”.
Outra falácia pra iludir as pessoas – aponta a entidade – é a informação amena de que haverá desmatamento apenas onde for necessário. Estão aí as portarias mostrando que vão desmatar tudo. Não vai ficar uma árvore.
STATKRAFT: RASTRO DE CRIMES AMBIENTAIS, COM IMPACTOS SOCIAIS
A Empresa Statkraft Energias Renováveis S/A, de nacionalidade norueguesa, iniciou, a partir do ano 2.000, a implantação do complexo eólico Ventos de Santa Eugênia, na zona rural dos Municípios de Uibaí e de Ibipeba, com 91 torres aerogeradoras, empreendimento que foi levado adiante sem a devida publicidade apregoada no Art. 225, da Constituição Federal, gerando consideráveis impactos socioambientais, principalmente no Município de Uibaí, território em que se estabeleceu o grosso das operações, inclusive as vias de acesso, que cortam as comunidades de Veredinha, Boca D’Água e Olho D’Água.
De acordo com dossiê disponibilizado por Edimário Oliveira, presidente da UMBU e líder do movimento “Grito pela Caatinga”, há um elenco de crimes praticados pela empresa norueguesa.
Segundo consta de uma Carta de Preocupação encaminhada pelo Comitê Noruego de Solidariedad com América Latina (NAG), encaminhada à Embaixada da Noruega no Brasil e aos Ministérios do Comércio, Indústria e Pesca e das Relações Exteriores da Noruega, ao citar especificamente os empreendimentos de Uibaí e Ibipeba,
“Esta não é a primeira vez que a Statkraft é acusada pela população local de não levar em conta as pessoas e o meio ambiente. Em 2022, o LAG publicou o relatório ‘Fora da Vista, Fora da Mente’, que trata das instalações da Statkraft no Brasil, incluindo as áreas cobertas por esta carta. O relatório descreve vários casos em que a Statkraft não levou suficientemente em conta os direitos da população local. No Chile, há vários anos existe um conflito com o povo indígena Mapuche, que quer que a Statkraft se retire de suas áreas. Como podemos ver, esses não são casos individuais, mas um padrão na empresa”.
No ano de 2021, bem recente, portanto, a empresa Statkraft Energias Renováveis S/S sofreu grande revés na Justiça da Noruega, com uma decisão unânime, tomada pelos 11 juízes da Suprema Corte daquele país, que declarou invalidadas as licenças concedidas a dois complexos eólicos construídos na região de Fosen, na Noruega, em uma área habitada pelos indígenas do povo Sami, o único grupo indígena reconhecido na União Europeia – EU, comunidade com mais de 70.000 pessoas que vivem do pastoreio de renas, um animal cuja existência está ameaçada pelos dois parques eólicos. A cassação das licenças foi noticiada pela Agência de Notícias Reuters, em matéria de 27/02/2023 e pela CNN Brasil, em matéria em 01/03/2023.