Vez ou outra, volto a me perguntar o que foi feito da minha vocação para a escrita. Houve um tempo em que todos os dias escrevia ao menos uma lauda por diversão. Sim, diversão é a melhor definição para o escrever para mim. Se não se tira prazer do ato da leitura e da escrita, então fazê-los vira sacrifício. Está aí a razão pela qual produzimos mais uma geração que tem medo de ler e escrever: escrever e ler para a maioria são obrigações e não ações naturais.
“Tenho trauma de escrever, professora”. Testemunhei alunos suarem para escrever um parágrafo. Empalidecerem. Gelarem as mãos. Um desafio encontrar a estratégia para quebrar este receio da caneta e do papel. Vivemos tempos em que somos convidados a marcar xis nas perguntas de múltipla escolha, esquecemos o resto do alfabeto. Conheço pessoas que só fazem pesquisa na barra de busca do YouTube. Não conseguem entender nada que não seja explicado por vídeo. Eu sou o contrário: se preciso aprender algo, quanto mais orientações escritas melhor.
Julgo ser uma criatura privilegiada, afinal, minha educação foi toda em escola pública. Devo ser portadora de um dom, e serei sempre grata por ele.
Expressar minhas ideias no papel é como eternizá-las, torná-las célebres. As palavras são a massinha de modelar do meu cérebro, vão tomando formas, até que o ponto final lhes dá o fechamento. Depois eu releio, reviso, troco uma letra aqui e ali, reescrevo parágrafos inteiros com o zelo da artesã ciente de que o acabamento é tão importante quanto a estrutura.
Uma artesã vaidosa, enfatizo. Reler minhas filhas, as palavras, e saber-lhes reconhecidas é um evento de formatura ao qual eu, como qualquer mãe, não faltaria. Daí a razão por aceitar o convite para retornar ao vício da escrita: Amor ao vício. Será difícil, afinal, carrego hoje um número maior de responsabilidades, bem maiores do que as de outros janeiros. A profissão, minhas filhas, o tempo escasso. Mas, a dificuldade é a mãe da invenção, não é como dizem? Eu que comecei minhas composições literárias nos idos dos anos noventa escrevendo a lápis, atravessei a fase de romances datilogrados, passei para a blogagem e a escrita em fóruns storyteller, chego até aqui escrevendo para vocês pelo teclado do smartphone.
Esperemos para ver quais desdobramentos me aguardam nesta jornada de amante das letras. Enquanto isso, será um prazer dividir com vocês as minhas múltiplas personalidades, das crônicas de mãe e filha aos contos burlescos.