Especialista em Agroecologia da Bahiater faz um alerta sobre a situação do bioma Cerrado.
Edvaldo Reinaldo
O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, ocupando aproximadamente 24% do território nacional. Tradicionalmente, este bioma tem sido entendido como um conjunto de ecossistemas que incluem savanas, matas, campos e matas de galeria. A sua área contínua incide sobre os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves no Amapá, Roraima e Amazonas. É nesta área territorial que se localizam as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul, além de uma grande diversidade de fauna e flora que promovem o equilíbrio ecológico desses ecossistemas.
Muitas populações nativas do Cerrado dependem dos recursos naturais para sobreviver, incluindo etnias indígenas, geraizeiros, ribeirinhos, babaçueiras, vazanteiros e comunidades quilombolas, que guardam histórias, conhecimentos e saberes tradicionais de sua biodiversidade, bem como diferentes costumes e manifestações culturais que representam o pluralismo do nosso país.
Apesar da grande importância desse ecossistema, cerca de 50% da área original do Cerrado brasileiro encontra-se desmatada. Segundo dados da EMBRAPA, metade da área degrada, que chega a 500.000 Km², foi destinada para produção de pasto. Pelo menos 100.000 Km² da área que é utilizada para monoculturas, sobretudo a soja, o que acaba levando à exaustão do solo e esgotamento de seus nutrientes. Além disso, o uso de agrotóxicos e de sais para adubação agravam os problemas ambientais, provocando contaminações das águas e dos alimentos e causando graves prejuízos à biodiversidade, o que compromete seriamente o equilíbrio dos ecossistemas locais. Tendo em vista que apenas 33.000 km² da área de Cerrado são destinadas à conservação, área essa insuficiente, é fundamental que os órgãos e instituições ligados à agricultura e a pecuária realizem ações que minimizem os impactos da ação humana sobre os ambientes naturais.
Nesse sentido, a BAHIATER vem executando algumas ações importantes em territórios de Cerrado, no intuito de preservar o bioma e gerar autonomia para os produtores. No município de Barreiras, por exemplo, foram executados três cursos de agroecologia, palestras e visitas técnicas para agricultores, onde foi abordada a importância do manejo ecológico do solo, com o uso da matéria orgânica, e o controle de insetos como forma alternativa ao uso de agrotóxicos. Também foram orientados sobre a produção de biofertilizantes e a produção de húmus através da compostagem, ressaltando a importância dos microrganismos para o solo e para as plantas.
A prática da agricultura depende do bioma vivo. As florestas ajudam a regular a temperatura, alojam insetos polinizadores, inimigos naturais de pragas, serve como quebra vento e área de captação da água da chuva para os reservatórios subterrâneos que alimentam as nascentes, rios e riachos. Desta forma, a agroecologia deveria ser uma grande aliada do Cerrado para a manutenção de seu ecossistema.
O Cerrado abastece oito das doze bacias hidrográficas nacionais. Aproximadamente 70% das águas da bacia do São Francisco nascem no Cerrado, que também é berço da bacia Amazônica/Tocantins e do Prata. Sem proteção, o São Francisco pode se tornar um rio intermitente e a redução do volume do Rio Amazonas e do Prata pode ameaçar todas as espécies vivas que dependem desse bem tão fundamental, não apenas no Brasil, mas nos países vizinhos também.
Felizmente, alguns agricultores do Cerrado já começam a despertar para o desenvolvimento de agriculturas mais ecológicas, como policultivo e sistemas agroflorestais. Um bom exemplo a “Fundação Mundo Lindo”, situada no povoado Extrema em Barreiras, na estrada que dá acesso ao Vau da Boa Esperança. Fundada pela Família Santiago, a Fundação atua com ações de preservação ambiental e recuperação de nascentes.
Ações como essa e como as da BAHIATER são importantes para que os agricultores possam conhecer formas eficientes de produzir alimentos em harmonia com a natureza. A expansão do agronegócio, ainda nos moldes da revolução verde, vem comprometendo inclusive o potencial hídrico do Cerrado, que de tão importante é considerado “a caixa d’água do Brasil”. Além das grandes retiradas de água para irrigação, o próprio desmatamento provoca erosão e assoreamento das nascentes, muitas das quais já morreram, junto a vários rios e riachos.
Neste dia 11 de setembro, dia do Cerrado, vale a gente se perguntar: quais são os planos das autoridades para preservar o futuro do cerrado? Será que ainda não entendemos a importância da preservação ambiental para todas as espécies de vida que habitam o planeta? Será que a única coisa que importa é o dinheiro? Nós somos seres humanos racionais que desprezamos a água, nossas florestas, nossos solos, nosso ar e contaminamos nossos alimentos. Será que somos mesmo racionais?
Segundo o escritor inglês, Lewis Carroll, “Se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve.” Na questão ambiental parece que estamos à deriva, como um barco no meio do oceano, sem vela e sem remo. Cultivemos a esperança mas sem esquecer do trabalho contínuo na defesa do Cerrado.