DA REDAÇÃO | Cultura&Realidade / Fotos e Reportagem: Joanderson Aleixo e Olga Lara
De repente, ele disse que não iria mais trabalhar… passou a ser agressivo, quase mata a própria mãe, tentou auto se mutilar cortando os pulsos, a garganta e quase se enforca. Saiba a história do jovem Gessivaldo, que foi acorrentado em uma ‘algarobeira’ por mais de um ano e há seis meses está em cárcere privado domiciliar.
“A partir da luta antimanicomial no Brasil, o surgimento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e dos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), e também dos Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam), foi um momento fundamental na virada dos anos 80 para os 90, quando nós criticávamos o modelo manicomial, mas não tínhamos práticas assistenciais alternativas. Foi a partir deles que começou a ser possível demonstrar que era viável tratar um paciente grave fora dos manicômios, em regime aberto, vinculado à família e ao trabalho, e envolvido em outras atividades.” Quem faz esta afirmativa é o coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Laps/ENSP/Fiocruz), Paulo Amarante*, que foi o pioneiro na luta contra esses abusos.
De acordo com ele, “aqui no Brasil o Caps foi revolucionário. Um novo serviço que começou a tratar de maneira intensiva as pessoas com necessidades muito fortes. Mas ao contrário do hospício, elas não ficavam isoladas e esquecidas e, ao contrário dos ambulatórios, não era uma simples prescrição médica periódica. Os centros davam uma atenção cotidiana, com leitos para situações de emergência. Ao contrário do que muitos pensam, a luta antimanicomial não é contra a internação; é contra a internação naqueles modelos de segregação permanente a que as pessoas eram submetidas” salienta o especialista.
“Atualmente há no Brasil cerca de 2.500 Caps. A maioria mudou o cenário da assistência da saúde mental, contribuiu para retirar muitas pessoas de instituições psiquiátricas ou evitou que muitas pessoas fossem internadas nesses lugares. São trabalhos abertos, em residências, com atendimento de turno, multiprofissional, ligado à família e ligado aos recursos da comunidade.”, diz Amarante.
A realidade das novas políticas públicas de atenção psiquiátrica a partir dos CAPS, no Brasil, parece não ter alcançado a comunidade de Caldeirão, localizada a 2km do Distrito de Soares, no município de América Dourada. Ali, há um caso que desafia a sociedade local e o poder público.
UM CASO DE OUTROS TEMPOS
O trabalhador rural Gessivaldo de Medeiros Ribeiro, atualmente com 28 anos de idade, era um menino tranquilo, que estudou até o 6º ano do Ensino Fundamental na Escola Municipal Durval Souza Bagano, no Distrito de Soares. Gostava de jogos eletrônicos (em celular) mas não era afeito a convivência em grupos. Ficava mais tempo isolado.
Até os seus 26 anos, levava uma rotina social normal na comunidade. De repente, em plena Semana Santa de 2018, ele chegou das atividades da roça agitado, dizendo que não iria mais trabalhar. Começou ali, os dois anos de sofrimento da sua genitora, dona Severina Alves de Medeiros, 65 anos e do seu padrasto, o lavrador José Augusto Seixas Dourado, 67.
“Os médicos disseram que Gessivaldo estava com depressão” conta sua mãe, mostrando diversos medicamentos receitados por dois especialistas, um de Irecê e outro de Feira de Santana. A partir de então, o jovem lavrador se tornou uma pessoa agressiva, tentou contra a vida da própria mãe, por estrangulamento, quando foi repreendido pelo vizinho Juraci, que passou a ser em ato contínuo a vítima das agressões. “O menino quase mata Juraci”, diz José Augusto
Gessivaldo, segundo os relatos da família, tentou suicídio várias vezes. Intoxicou-se com mamona, tentou cortar os pulsos e a garganta e quase morre por enforcamento. “Conseguimos socorrer e evitar o pior”, conta dona Severina.
A família explicou à reportagem que buscou apoio nos serviços de saúde do município e que Gessivaldo chegou a ser hospitalizado, quando foi diagnosticada a depressão, mas as intervenções não progrediram em melhoras. Para impedir riscos à vida de vizinhos e familiares, foi pedido ajuda à polícia, que atendeu ao chamado para acorrentá-lo.
E assim se passou cerca de um ano e meio, até que a comunidade se reuniu para ajudar na construção de um quarto, onde Gessivaldo é mantido prisioneiro domiciliar há cerca de seis meses, trancado com dois cadeados, se comunicando com o mundo externo através de uma abertura feita na única porta do cubículo.
O quarto dispõe de uma cama e um sanitário instalados no mesmo ambiente e algumas garrafas de água. Ele está mantido em cárcere privado por decisão da família. “Prendemos o menino porque ele ficou muito agressivo, de repente, começou a ameaçar todo mundo, inclusive a mãe”, diz o agricultor José Augusto Seixas Dourado, 67 anos, pai adotivo
ACOLHIMENTO SOCIAL: “QUEM PARIU MATEUS QUE BALANCE”
Segundo disseram os familiares, a prefeitura foi procurada, através da secretaria de assistência social, mas que esta não teria feito o atendimento adequado às condições de saúde do paciente, nem as orientações na conformidade dos conhecimentos da família, quanto aos modos de tratamento e das políticas públicas destinadas a casos como este.
Ainda de acordo com informações de dona Severina, ao ficar sabendo que a comunidade estaria construindo um cárcere doméstico para a segurança física das pessoas e do próprio paciente, a prefeita Rose Dourado teria ameaçado mandar prender os autores da iniciativa. José Augusto disse que quando pediu ajuda à prefeita, ela teria dito: “quem pariu Mateus que balance”. Narrou o padrasto, sem conseguir esconder a tristeza e o lacrimejar dos olhos enquanto falava.
VERSÃO DA SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
A secretária de assistência social do município, Ediana Castro Dourado informou à reportagem que o primeiro contato com Gessivaldo foi no dia vinte e cinco de maio do ano passado, “quando compareceu ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) o seu padrasto José Augusto e desde então, a família passou a ser acompanhada pela equipe do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), equipe do Bolsa Família, setor jurídico e a equipe de saúde do município através do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)”, afirmou a secretária, reforçando que todas as demandas que cabiam à Secretaria de Assistência Social foram atendidas”, garante Ediana.
Durante a reportagem, notou-se dificuldades da família por acesso a água potável e os pais de Gessivaldo afirmam que todos os recursos para cuidar do filho são oriundos do Bolsa Família e do Renda Básica instituído provisoriamente por ocasião da Pandemia da Covid-19.
E A CÂMARA DE VEREADORES E O MP, A QUE RESPONDEM?
A história de Gessivaldo inspira pauta para as Comissões de Saúde e de Serviços Social da Câmara de Vereadores e o Ministério Público, de modo a averiguar se a família e o paciente estão tendo direitos aviltados ou se os órgãos municipais pela execução das políticas públicas de saúde e dos serviços sociais estão cumprindo adequadamente o seu papel na promoção da qualidade de vida e dignidade da pessoa humana.
*Fala de Paulo Amarante extraída da FIOTEC/FioCruz
Está história lembrou-me do meu irmão, que com 16 anos ficou trancado no quarto por 3 messes sem quer sair, sem tomar banho, sem querer comer e quando saiu do quatro, ficou muito agressivo batia na minha mãe,quebrou todos os móveis da nossa casa, jogava pedra na casa dos vizinhos e tínhamos que amarra-lo quando entrava em crise, meu irmão fica louco de uma hora pra outra e nunca mais voltou ao normal, hoje ele tem 37 anos e perdeu toda sua vida e minha mãe sofre até hoje, nunca o prendemos, ele fica livre, mas dorme em um quarto separado da casa, porque temos medo de que ele ente em crise e ataque alguém, quando li essa história vi a vida do meu irmãos passar de novo na frente dos meus olhos olhos, a prefeitura e a assistência social nunca ajudou em nada, mas ele conseguiu se aposentar por invalidez e é assim que conseguimos comprar os remédios dele.
Somos da região de Irecê, município de Uibaí, povoado de Poço.