As Forças Armadas brasileiras não são um poder. Juntas elas formam uma instituição do Estado destinada à defesa do território nacional e das instituições democráticas, quando convocadas. No Brasil elas estão à serviço da república que é fundada pela aliança de apenas três poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo e estão submissas às ordens desses poderes. Em tempos tão surreais é preciso repetir o óbvio. Então percebam, assim como o Ministério da Educação cuida da educação do País, mas não pode intervir, por conta própria, nos poderes que constituem a república, as Forças Armadas cuidam da defesa do País e também não podem intervir, em nenhum sentido, no equilíbrio de forças dos três poderes.
A nota assinada esta semana por Bolsonaro, Mourão e Fernando Azevedo, ministro da defesa, em resposta indireta ao STF e ao TSE, tenta criar uma coisa bizarra. Insiste em dar voz política aos militares quando, na verdade, suas funções e obrigações ativas não lhes permitem interferir de forma alguma na vida política interna. Por que então o presidente, o vice e o chefe das Forças Armadas se dispuseram a assinar uma nota grosseira e ameaçadora como aquela? Certamente por que há provas bastantes de que a chapa Bolsonaro/Mourão fraudou as eleições com disparos de fake news em massa, financiados por empresários como o dono da Havan e o da Sport fit, coisa ilegal que anularia o resultado das urnas.
Quando a nota publicada pela presidência fala que as forças armadas “não aceitam tentativas de tomada de poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”, ela quer dizer o quê? Que os doutos ministros do STF e do TSE vão desrespeitar a lei se cassarem a chapa de Bolsonaro?
Ora, aqueles ministros ali não estariam incumbidos de analisar a denúncia, checar as provas e julgá-las à luz da lei? Por que proceder assim seria “ao arrepio da lei” ou com viés político? Por acaso os três sujeitos que assinaram a nota já sabem o resultado de um julgamento que ainda não aconteceu ou é uma ameaça mesmo de que se o TSE constatar a fraude eleitoral e cassar a chapa dos milicos ele estará agindo ao arrepio da lei? O que seria a lei para esse pessoal que ocupa o poder atualmente, é apenas aquilo que está de acordo com os interesses dele?
A nota diz também que as Forças Armadas não aceitam julgamentos políticos. Ora vejam, sendo as Forças Armadas organismos de defesa do Estado, que só podem agir por iniciativa e concordância dos três poderes, conforme o artigo 142 da Constituição Federal, como a nota pode afirmar que elas “não aceitam julgamentos políticos”, elas estão acima dos três poderes? Claro que não. Assim, não é difícil perceber que Bolsonaro e sua patota estão falando em nome de uma instituição (o que já constitui falsidade ideológica) que integra a estrutura do Estado, mas não um poder do Estado; que, portanto, não pode ter voz acima dos poderes da república, que, pelo contrário, é obrigada a seguir ordens e recomendações desses poderes. A intenção da trupe do Planalto é assinalar algo que não existe na Constituição: que as Forças Armadas são um poder moderador. Não há outra conclusão a chegar: o núcleo duro bolsonarista faz isso porque é notoriamente autoritário e não suporta a independência dos demais poderes. Não suporta a pluralidade democrática.
Eu, cá comigo, penso que é tarefa do TSE julgar rigorosamente os crimes cometidos pela chapa Bolsonaro/Mourão e puni-la com rigor técnico impecável. Do mesmo modo, o STF e o Congresso deveriam agir sobre as pencas de crimes que o atual governo comete diariamente. As bases da democracia e da república não podem ser agredidas impunimente. Se o nicho de milicianos fanáticos que apoia e segue com ardor a horda bolsonarista partir para a arruaça e para o tiroteio, aí sim, o STF e o Congresso Nacional poderão convocar as Forças armadas para, sob suas ordens, ajudar a colocar essa gente louca em seu devido lugar. Isso o artigo 142 da Constituição Federal permite.