Previsão de orçamento para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações em 2021 é 34% menor do que em 2020
DA REDAÇÃO | Carta Capital
Cortes orçamentários, restrição de bolsas de estudo, congelamento de salários, perda de pessoal qualificado, fechamento de unidades, encerramento de pesquisas. É grande a lista dos estragos promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro na Ciência, Tecnologia e Inovação nestes dois últimos anos. Por outro lado, a mobilização das entidades representativas do setor em defesa de décadas de avanços e conquistas consolidou um polo de luta contra a política bolsonarista.
A mobilização obteve vitórias como, por exemplo, a recente mudança do perfil do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que agora não poderá mais ter os seus recursos contingenciados.
O desmonte do setor de CT&I no Brasil pode ser medido em números. No orçamento de 2020, o primeiro elaborado pelo governo Bolsonaro, os recursos destinados ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) sofreram um corte de 15% (2,3 bilhões de reais) em relação ao ano anterior. Além do corte, 39% da verba destinada ao ministério no ano que se encerra foi alocada como reserva de contingência, podendo ser utilizada em outras áreas pelo governo federal.
A situação piora na proposta orçamentária de Bolsonaro para o presente ano. A previsão de orçamento para o MCTIC em 2021 é 34% menor do que em 2020, chegando ao patamar de 2,7 bilhões de reais, valor que representa menos de um terço do que foi destinado ao ministério há dez anos no último orçamento elaborado pelo governo do ex-presidente Lula. Além disso, aproximadamente 43% desses recursos estão alocados como créditos suplementares.
“Desde 2016, o setor vem sofrendo cortes maiores a cada ano. A previsão para 2021 é de retroceder quase duas décadas, ou seja, em valores reais a previsão de gastos da União em CT&I se compara aos anos de 2002/2003. O corte dos recursos discricionários no MCTI e MEC é da ordem de 16% sobre os valores de 2020”, afirma Celso Pansera, que foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação no governo Dilma Rousseff.
Atualmente Pansera integra o comitê-executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), movimento com o objetivo de organizar a resistência ao desmonte bolsonarista e lançado pelas principais entidades do setor como um observatório das ações do governo e sua base parlamentar no Senado e na Câmara dos Deputados.
O ex-ministro avalia que a ciência no Brasil está próxima do colapso: “Tudo se torna mais grave quando falamos em redução de gastos ao longo de diversos anos. A infraestrutura vai se deteriorando, equipamentos ficando obsoletos ou sem condições de uso, as equipes de pesquisadores sendo gradativamente desmontadas por falta de recursos para o pagamento de bolsas. Um cenário desalentador”, diz.
Cortes na pesquisa
Os cortes previstos pelo governo federal para o orçamento deste ano também atingiram em cheio as principais agências de fomento à pesquisa. Os recursos destinados ao CNPq caíram 8,3% na comparação com 2020, sendo que 60,5% do montante total está condicionado.
“Os recursos necessários para grupos de pesquisa, laboratórios, insumos básicos, viagens e editais para novos projetos têm previsto para 2021 um valor baixíssimo, 22 milhões, cerca de 18% do seu valor de 2019”, denuncia uma carta aberta aos parlamentares assinada por 19 entidades nacionais do sistema de Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação.
Já os recursos previstos para a Capes no ano que vem são 28% menores do que aqueles de 2019, passando de 4,2 bilhões para 3 bilhões, com um percentual de 33,5% de contingenciamento.
“Os recursos para as bolsas de pós-graduação diminuíram 10% e os recursos para bolsas destinadas a programas relacionados com a Educação Básica caíram 28% em relação ao orçamento de 2020”, afirma a carta elaborada pelas entidades do setor.
Além da redução da verba disponível para a concessão e pagamento de bolsas, o CNPq também restringiu seu Programas de Bolsas de Iniciação Científica ao que o governo Bolsonaro classificou como Áreas de Tecnologias Prioritárias. Isso inclui áreas como Indústria Nuclear e Segurança de Fronteira, entre outras, mas a política do governo federal extinguiu a concessão de bolsas para pesquisas ligadas às ciências humanas, artísticas e sociais.
“Não podemos de maneira nenhuma deixar que se desmonte um processo que foi uma construção de décadas feita por muitos brasileiros. A ciência é fundamental pelo lado econômico, mas não é só isso. Ela é fundamental para a cultura da nação. As ciências humanas e sociais são essenciais justamente para que a gente possa pensar o mundo e as relações humanas e sociais. Não devem ser deixadas de lado”, afirma Lineu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
As universidades e institutos federais de CT&I são outras vítimas da política de desmonte. Segundo as entidades, os recursos para despesas discricionárias do setor, que vêm caindo desde 2016, ainda no governo de Michel Temer, foram reduzidos no orçamento de 2021 em 17,5% e 16,5%, respectivamente, na comparação com 2020. Além disso, 55% e 58% dos recursos estão condicionados: “É importante ressaltar que o sistema somente não colapsou em 2020 porque, devido à pandemia, as universidades e institutos ficaram fechados a maior parte do ano e as aulas estão sendo ministradas de forma remota”, diz Pansera.
Iniciativa no Parlamento
O ex-ministro é o principal articulador da ICTP.br em Brasília. Criada em maio do ano passado, a coalizão é formada por oito entidades do setor de CT&I: SBPC, Academia Brasileira de Ciências (ABC), Andifes, Conif, Confies, Confap, Confict e Fórum dos Secretários Municipais de Inovação. Sua intensa mobilização na Câmara e no Senado tornou a ICTP.br em referência na luta contra a agenda do governo Bolsonaro para a ciência. O movimento já conquistou importantes vitórias: “Por exemplo, em 2019, o CNPQ só tinha recursos para o pagamento das bolsas até o mês de setembro. Nossa atuação junto à Câmara dos Deputados contou com o apoio de diversos parlamentares e obtivemos recursos extras de 250 milhões. Isso garantiu o pagamento das 85 mil bolsas até dezembro de 2019”, conta.
A vitória mais emblemática conquistada pela ICTP.br até aqui foi a defesa do FNDCT. “Ainda em 2019, a área econômica do governo enviou ao Congresso uma Proposta de Emenda Parlamentar (PEC 187/2019) que propunha a extinção dos fundos públicos. Isso atingiria em cheio o setor de CT&I, pois acabaria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Após uma forte mobilização, conseguimos que a comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado excluísse o FNDCT do alcance desta PEC”, diz o ex-ministro.
Fundo Nacional
A defesa do Fundo só se consolidou no dia 17 de dezembro com a aprovação do Projeto de Lei Complementar 135/2020, de autoria do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que transformou o FNDCT em fundo financeiro e, com isso, proibiu o contingenciamento de seus recursos. No Senado, a proposta foi aprovada por 71 votos contra 1 e na Câmara por 338 votos favoráveis e 17 contrários. Com a mudança em sua natureza, o FNDCT deixa de ser uma anotação contábil no caixa único do Tesouro Nacional e passa a ter seus recursos depositados em uma instituição financeira. A mudança também permite que os recursos do Fundo, quando não desembolsados totalmente durante o ano fiscal, possam ser acessados nos anos seguintes.
Segundo a ICTP.br, a transformação do FNDCT “dará mais estabilidade e perenidade” ao setor de CT&I no Brasil, já que a maioria dos projetos de pesquisa e inovação são de médio e longo prazos: “Apenas cerca de 13% dos 6,8 bilhões de reais arrecadados pelo Fundo em 2020 estão disponíveis para investimentos não reembolsáveis em atividades realizadas por universidades, institutos de pesquisa e empresas. Um total de 4,6 bilhões está retido nos cofres do governo federal. Isso não acontecerá mais com o novo formato”.
O Projeto de Lei segue agora para sanção presidencial, mas as entidades do setor de CT&I já estão atentas a um possível veto de Bolsonaro: “No apagar das luzes de 2020, conseguimos aprovar o projeto. Ele seguiu para o Palácio do Planalto e agora aguarda sanção presidencial. Apesar de o presidente Bolsonaro afirmar em suas mídias sociais que não irá vetar, sabemos que a equipe do ministro Paulo Guedes irá orientar o veto. A ICTP.br e toda a comunidade científica e tecnológica seguem mobilizadas, aguardando a sanção sem vetos, como foi o caso do Fundeb. Se vierem vetos, teremos que prosseguir a mobilização no parlamento para os derrubar”, avisa Pansera.